sexta-feira, 18 de dezembro de 2009
PARA O ANO DE 2010
os homens normais sejam extraordinários...
e que os extraordinários não me deixem intimidada...
eu não reaja no presente ao reflexo do passado...
eu não me sinta acuada com a grandeza de outro ser humano...
e nem aprisionada com a demanda do outro...
eu não tenha que escolher entre estar acima ou abaixo...
eu aceite receber tanto quanto aceito dar...
eu possa caminhar lado a lado...
seja preferível o aqui e agora que o lá e o depois...
eu não interprete mais o mesmo papel...
se eu tiver que cometer erros, ao menos que sejam diferentes
Só isso já está de bom tamanho!
MILAN KUNDERA - A Insustentável leveza do ser
quarta-feira, 16 de dezembro de 2009
FECHADA PRA BALANÇO
queria que o meu coração
e o meu desejo andassem de mãos dadas
Queria que as relações não fossem pra mim
um campo de batalha
Queria poder aceitar a minha falta
pra não precisar ficar apontando a falta no outro
Queria que minha medida não fosse pra mais nem pra menos
Queria que o parâmetro não fosse o comparativo
superlativo, diminutivo, aumentativo, competitivo...
Queria que fosse mais simples ser eu
pra poder aceitar o outro na minha vida
sem machucá-lo, ou me deixar machucar por ele
Só vou dizer uma coisa:
não quero mais repetir essa experiência
renuncio desse gozo,
no qual o outro é mero suporte
pois "pode acaso uma pessoa ser igual
a uma fantasia?"
segunda-feira, 14 de dezembro de 2009
O ULTIMO ROMANTICO - Lulu Santos
Existe uma mulher.
Entre o homem e a mulher,
Existe um mundo.
Entre o homem e o mundo,
Existe um muro"
(Antoine Tudal)
"Faltava abandonar a velha escola
Tomar o mundo feito coca-cola
Fazer da minha vida sempre
O meu passeio público
E ao mesmo tempo fazer dela
O meu caminho só, único
Talvez eu seja
O último romântico
Dos litorais
Desse Oceano Atlântico(...)
Falta eu acordar
Ser gente grande
Prá poder chorar
Me dá um beijo, então
Aperta a minha mão
Tolice é viver a vida
Assim, sem aventura
Deixa ser
Pelo coração
Se é loucura então
Melhor não ter razão(...)"
sábado, 12 de dezembro de 2009
Cara Valente - Marcelo Camello
Pode até se acostumar
Ele vai viver sozinho
Desaprendeu a dividir
Foi escolher o mal-me-quer
Entre o amor de uma mulher
E as certezas do caminho
Ele não pôde se entregar
E agora vai ter de pagar
Com o coração
Olha lá!
Ele não é feliz
Sempre diz
Que é do tipo Cara Valente
Mas veja só
A gente sabe
Esse humor
É coisa de um rapaz
Que sem ter proteção
Foi se esconder atrás
Da cara de vilão
Então, não faz assim rapaz
Não bota esse cartaz
A gente não cai não(...)"
CARA ESTRANHO - Marcelo Camello
Parece não achar lugar
No corpo em que Deus lhe encarnou
Tropeça a cada quarteirão
Não mede a força que já tem
Exibe à frente o coração
Que não divide com ninguém
Tem tudo sempre às suas mãos
Mas leva a cruz um pouco além
Talhando feito um artesão
A imagem de um rapaz de bem
Olha ali, quem tá pedindo aprovação
Não sabe nem pra onde ir
Se alguém não aponta a direção
Periga nunca se encontrar
Será que ele vai perceber?
Que foge sempre do lugar
Deixando o ódio se esconder
Talvez se nunca mais tentar
Viver o cara da TV
Que vence a briga sem suar
E ganha aplausos sem querer
Faz parte desse jogo
Dizer ao mundo todo
Que só conhece o seu quinhão ruim
É simples desse jeito
Quando se encolhe o peito
E finge não haver competição
É a solução de quem não quer
Perder aquilo que já tem
E fecha a mão pro que há de vir"
MILAN KUNDERA - A Insustentável leveza do ser
domingo, 6 de dezembro de 2009
PROJETO ENCANTADO
Até que um dia, descobri
que eu não dava conta de morar nele
Então guardei o projeto na gaveta
E fui viver no populacho
Com choupana alugada
e antiga diligência
Participar das festas na vila
junto com outras princesas
que por serem tão encantadoras
também não encontram um príncipe que seja capaz de encantá-las
E vamos vivendo
De desencanto em desencanto
Até arrumar a coragem
de quebrar o encantamento
E, ao colocar um homem no lugar de rei,
admitir ocupar o lugar de rainha
Este, concedido por ele
E aceitar responder deste lugar
Enquanto isso, aceito ser concumbina
deste castelo que eu mesma projetei
E tenho direito cativo ao trono
Cada um assume a posição que dá conta de responder
É preciso muita coragem
pra passar de concumbina a rainha
sexta-feira, 4 de dezembro de 2009
Mas o universo hoje se expandiu
E aqui de dentro a porta se abriu"
(DO LADO DE DENTRO - Los Hermanos)
"O fardo mais pesado é, portanto, ao mesmo tempo a imagem da mais intensa realização vital. Quanto mais pesado o fardo mais próxima da terra está nossa vida, e mais ela é real e verdadeira. Por outro lado, a ausência total do fardo faz com que o ser humano se torne mais leve do que o ar, com que ele voe (...) que seus movimentos sejam tão livres quanto insignificantes. Então, o que escolher, o peso ou a leveza?" (MILAN KUNDERA - A Insustentável leveza do ser)
domingo, 29 de novembro de 2009
Pagar o preço pelo que se quer é ficar em dívida?
se falta coragem pra ter o que se quer
Você, que quer tanto ser a primeira, a exclusiva, a que faz diferença,
Quando chamada a comparecer
e os holofotes voltam-se pra você,
você se esconde
timidamente volta aos bastidores
delegando a um outro qualquer o papel principal
Não toma o lugar que briga tanto pra ter,
na hora H não assume o seu papel
garra não lhe falta, nem determinação
nem saber o que quer
não é essa a questão
a questão é ter coragem de assumir,
de comparecer quando chega a sua hora
daí você foge
ou afasta a câmera para o outro lado da sala
você só queria chamar a atenção
e quando a obtém, não sabe o que fazer com ela
quer tanto o olhar do outro,
mas tem medo do que ele representa
porque o amor é uma ameaça
ele prende, demanda
exige que você se dê
que esteja ali, inteira
que aceite ser amada
e fiquei em dívida com esse amor...
...Espero então, é a única coisa possível
pois, se luto tanto, pra perder no final,
Não quero mais essa opção
Só posso escolher entre o ficar sem nada
e ficar com o que não quero
Porque o que quero não consigo pagar
terça-feira, 24 de novembro de 2009
ENCOSTAR NA TUA - Ana Carolina
Meu caminho é meio perdido
Mas que perder seja o melhor destino
Minha procura por si só
Já era o que eu queria achar
Quando você chama meu nome
Eu que também não sei aonde estou
Pra mim que tudo era saudade
Agora seja lá o que for
Eu só quero saber em qual rua a minha vida vai encostar na tua...
...E saiba que forte eu sei chegar
Mesmo se eu perder o rumo
segunda-feira, 16 de novembro de 2009
MUTAÇÕES - Liv Ullman
sábado, 14 de novembro de 2009
DE VOCÊ SEI QUASE NADA - Zeca Baleiro
Pra onde vai ou porque veio
Nem mesmo sei
Qual é a parte da tua estrada
No meu caminho
Será um atalho
Ou um desvio
Um rio raso
Um passo em falso
Um prato fundo
Pra toda fome
Que há no mundo
Noite alta que revele
Um passeio pela pele
Dia claro madrugada
De nós dois não sei mais nada
Se tudo passa
como se explica
O amor que fica nessa parada
Amor que chega sem dar aviso
Não é preciso saber mais nada
sexta-feira, 13 de novembro de 2009
MUTAÇÕES - LIV ULLMANN
Mas sigo meu próprio caminho. Estou ali inteira, como uma grande carga trancada de terror, como capítulos esquecidos que precisam ser lembrados, como o medo de estar sozinha."
quarta-feira, 11 de novembro de 2009
Vida de Caquinhos ou "Welcome to the real world"
Quero nada esperar para não mais sofrer
Quero não condicionar minha felicidade ao que o outro pode ou não me proporcionar
Quero saber de mim e de minha alegria
nas minhas próprias coisas
não no que o outro leva quando vai embora
quero ficar, estabelecendo concretamente a linha de separação entre eu e o outro
quero ter algo que permaneça comigo, permanecendo as pessoas ou não
quero acreditar que minha vida vale a pena pelo que ela é
não pelo que poderia ser
ou que eu gostaria que fosse
Mais vale viver uma vida por inteiro
que viver num caquinho de fantasia
Escolho tomas a pílula vermelha
e acordar do meu sonho bom
Que servia apenas para alimentar a máquina de um sistema
que não faz parte das relações humanas
Me transmuto em Neo
com a missão de me encontrar com meu próprio destino
a partir de uma escolha
entre acordar e viver
ou continuar sonhando e morrer
Against All Odds (Take A Look At Me Now)
How can you just walk away from me,when all I can do is watch you leave'Cause we've shared the laughter and the painand even shared the tearsYou're the only one who really knew me at all
So take a look at me now, 'cause has just an empty spaceAnd there's nothing left here to remind me,just the memory of your faceJust take a look at me now, who has just an empty spaceAnd you coming back to me is against the oddsAnd that's why I've gotta take
I wish I could just make you turn around,turn around to see me cryThere's so much I need to say to you,so many reasons whyYou're the only one who really knew me at all
So take a look at me now, 'cause has just an empty spaceAnd there's nothing left here to remind me,just the memory of your faceJust take a look at me now,'cause there's just an empty space
But to wait for you, is all I can doand that's what I've gotta faceTake a good look at me now, 'cause I'll still be standing hereAnd you coming back to me is against all oddsand that's what I've got to face
Neste período de intervalo, deixarei que outros falem por mim...
Qualquer beijo de novela
Me faz chorar
Que teu olhar "flor na janela"
Me faz morrer
Meu desejo se confunde
Com a vontade de não serQue a minha pele
Tem o fogoDo juízo final...
Barco sem porto
Sem rumo, sem vela
Cavalo sem sela
Bicho solto
Um cão sem dono
Um menino, um bandido
Às vezes me preservo
Noutras, suicido!
Oh, sim!Eu estou tão cansado
Mas não prá dizer
Que não acredito
Mais em você
Mas vou tomar
Aquele velho navio"
(ANDO TÃO A FLOR DA PELE - Zeca Baleiro)
sexta-feira, 6 de novembro de 2009
ALICE NO PAÍS DO MATRIX
e tomar atitudes diferenciadas
a partir do que se ouve do outro
como é dificil não deparar-se com os mesmos fantasmas
e responder a partir deles
em vez de se deixar levar pelas circunstâncias
como é difícil desvincilhar-se de viver nessa bolha ilusória
criada a nosso bel-prazer
para arriscar-se a viver na realidade concreta da vida cotidiana
como é difcícil abrir-se ao outro, para o que ele pode oferecer
sem imaginarizar o que ele deveria ser a partir de nosso ideal
como é dificil abster-se de criar castelos encantados,
incluindo o outro mas apenas a parte que criamos deles
sem querer saber quem de fato ele é esse ou o que se passa na vida dele
como é difícil abrir-se a ouvir
o que o outro não tem dificuldade em dizer
como é difcícil abrir mão dos próprios sonhos
para construir sonhos conjuntos, mais possíveis, mais reais
O ROCHEDO
O barquinho vai serelepe navegando mar adentro
quando de repente depara-se com ele: o rochedo
por mais que tente calcular ângulos, procurar brechas, se enfiar por pequenas fissuras,
a passagem é impossível
O barquinho tem quatro opções:
pode retornar e seguir sua viagem para outro destino
pode desdenhar o rochedo, fingindo contentar-se em juntar pedrinhas em sua popa
pode tentar forçar passagem, dinamitando o rochedo, sem pedir-lhe licença
ou pode ouvir a voz da sábia lua,
que já viu esta mesma cena milhares de vezes:
"nem tanto ao mar, nem tanto à terra, pequenino"
e permanecer por ali, ocupando-se com outras coisas
e esperando com paciência que
o balanço suave do mar desenhe
com o devido respeito que o velho rochedo merece,
nuances nas pequenas brechas
até que elas atinjam um tamanho ideal
para abrir-lhe passagem
sexta-feira, 30 de outubro de 2009
QUEM DESDENHA QUER COMPRAR
tudo depende do quanto deixamos ele penetrar
Não é nossa escolha ele querer ficar e nos afetar
mas é de nossa responsabilidade o que fazemos com isso que nos afeta
Mais fácil é reerguer a couraça e vestir máscara da completude
E esconder-se por detrás desta fachada
Pena que assim o único encontro possível é com o seu mais velho amante: Sr. Orgulho
Mais difícil, para haver um encontro verdadeiro,
é abrir a possibilidade de esperar, ali, vulnerável
Aberta, sem disfarces, que ele possa nos alcançar
Espera difícil esta, onde o desafio maior é justamente este:
ouvir e não interpretar, responder e não fechar a questão
Despedir-se sem concluir precipitadamente
conseguir ouvir do outro só no que ele diz
E acreditar...
Sem tornar suas atitudes em prova de múltipla escolha, onde só existem duas opções:
ou cola ou não cola!
É muito difícil admitir-se que se pode perder...
e ficar sem nada, mesmo tendo feito tudo...
e que por algum motivo que eu posso nunca vir a saber, o outro não me quis
Mesmo eu o querendo e tentado
é possível não se conseguir
E a coragem maior é admitir ficar sem...
Sem substituir por qualquer outra coisa
só pra mostrar que não queria mesmo,
e a substituição vem fácil
Mas, admitindo que se quer e não se tem,
seja talvez a única maneira de se permitir ser tida
para finalmente realmente vir a ter
A ARTE DE AMAR - Manuel Bandeira
A alma é que estraga o amor.
Só em Deus ela pode encontrar satisfação.
Não noutra alma.
Só em Deus — ou fora do mundo.
As almas são incomunicáveis.
Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo.
Porque os corpos se entendem, mas as almas não.
DE ARIANA PARA DIONÍSIO - Hilda Hilst
I
É bom que seja assim, Dionisio, que não venhas.
Voz e vento apenas
Das coisas do lá fora
E sozinha supor
Que se estivesses dentro
Essa voz importante e esse vento
Das ramagens de fora
Eu jamais ouviria. Atento
Meu ouvido escutaria
O sumo do teu canto. Que não venhas, Dionísio.
Porque é melhor sonhar tua rudeza
E sorver reconquista a cada noite
Pensando: amanhã sim, virá.
E o tempo de amanhã será riqueza:
A cada noite, eu Ariana, preparando
Aroma e corpo. E o verso a cada noite
Se fazendo de tua sábia ausência.
II
Porque tu sabes que é de poesia
Minha vida secreta. Tu sabes, Dionísio,
Que a teu lado te amando,
Antes de ser mulher sou inteira poeta.
E que o teu corpo existe porque o meu
Sempre existiu cantando. Meu corpo, Dionísio,
É que move o grande corpo teu
Ainda que tu me vejas extrema e suplicante
Quando amanhece e me dizes adeus.
III
A minha Casa é gurdiã do meu corpo
E protetora de todas minhas ardências.
E transmuta em palavra
Paixão e veemência
E minha boca se faz fonte de prata
Ainda que eu grite à Casa que só existo
Para sorver a água da tua boca.
A minha Casa, Dionísio, te lamenta
E manda que eu te pergunte assim de frente:
À uma mulher que canta ensolarada
E que é sonora, múltipla, argonauta
Por que recusas amor e permanência?
IV
Porque te amo
Deverias ao menos te deter
Um instante
Como as pessoas fazem
Quando vêem a petúnia
Ou a chuva de granizo.
Porque te amo
Deveria a teus olhos parecer
Uma outra Ariana
Não essa que te louva
A cada verso
Mas outra
Reverso de sua própria placidez
Escudo e crueldade a cada gesto.
Porque te amo, Dionísio,
é que me faço assim tão simultânea
Madura, adolescente
E porisso talvez
Te aborreças de mim.
(...)
sábado, 24 de outubro de 2009
PEQUENA PRECE
Decisão adormecida por um tempo, que faz ressignificar diversas outras
e reacender sonhos anestesiados, escondidos, no fundo da alma
E que, devagarinho vão despertando e adquirindo uma força tão intensa que por vezes,
dá medo de não contê-las; e delas se apoderarem de nós
Desejos que acreditávamos mortos, esquecidos num canto qualquer
Como se não fizessem mais parte de nós
Não tivessem mais importância
e que não estávamos dando o devido valor
Repentinamente eles vêm à luz
e incomodam, fazem-se ver, pedem direito à voz
O que fazer quando temos certeza de ter encontrado exatamente aquilo que queremos
Mas, por medo de estragar tudo, recuamos
Quando a vida nos questiona acerca de algo que sempre buscamos
E finalmente nos presenteia com aquilo que ansiamos
Há momentos em que você percebe que é necessário investir todas as fichas
Sem contudo atropelar o outro, mas, justamente por considerá-lo
E você percebe finalmente que terá que dar algo antes de ganhar
Espero, de verdade, conseguir cuidar dese presente que a vida me deu
Deus, me ajuda a tratá-lo com todo cuidado e carinho,
Pois o tempo é algo demasiado precioso para ser desperdiçado
E o encantamento é coisa rara de se acontecer
Por isso, não posso ignorá-lo
e seguir vivendo minha vida como se ela fosse a mesma
Já sou uma pessoa diferente só por tê-lo conhecido
E deixado-o tocar-me de um jeito inédito
Preciso reconhecer o quanto estou encantada com o seu jeito de ser
E o quanto ele se encaixa perfeitamente no meu
E me acostumar com a estranha sensação de que o conheço há séculos
E que partilhamos uma intimidade de uma outra ordem
Ao mesmo tempo em que sinto necessário ter cuidado para não ser demasiado precipitada
Deus, me ajuda a transformar essa tormenta em um suave assovio
Que me mantenha na serenidade necessária para não me deixar demasiado insegura
E não me permita perder-me entre meu desejo demasiado intenso e meu medo de perder
Não permita que o orgulho vença a batalha
mas que eu tenha a coragem de ficar em falta para poder ser preenchida
Ajuda-me a ser sincera, e dá-me a coragem necessária para fazer a minha parte
e lutar pelo que eu acredito e almejo
E que eu possa, ao final, colher bons frutos
E, enfim, descansar em paz.
Amém.
sexta-feira, 23 de outubro de 2009
ELOCUBRAÇÕES SOB A LUZ DO LUAR
Ao tentar decifrar com palavras o que a experiência ainda não captou por completo
Talvez o Saber do Dia permita, aos poucos, chegar à Sabedoria
Sem esquecer jamais que esta não contempla todos os aspectos
Resta ainda a escuridão da noite
Que sempre se afasta ao ser iluminada pela luz branda da lamparina
Deixando entrever, entre trevas, as
Lágrimas de Diamante
Saberes descabidos durante o reinado do Sol
Tornam-se jogos de sombras, ora assustadoras, ora encantadoras,
mas surreais sob o efeito da Lua
O que de dia se afasta,
causa repúdio e sofrimento
De noite é material para a mais fina companhia
e um convite de retorno ao passado
Lágrimas de Diamantes
Lágrimas de dia, de noite amantes
terça-feira, 13 de outubro de 2009
O ENCONTRO DO MAR COM A AREIA
É um momento dramático que quase ninguém vislumbra ese processa continuamente, dia a dia, este que se dá na orla marinha.O mar velho, em sua sabedoria, sabe que é ncessário ir e retornar, a fim de não satisfazer por completo a areia e nesse balanço suave, ele abre seu ritmo próprio e sereno, sabe exatamente até onde irEnsina a própria arte de pescar, onde é preciso paciência, a isca certa e muito, muito silêncio...mas que difícil saber qual a isca para cada tipo de peixe, ainda mais porque o mar, provocativo,esconde o jogo, disfarçando seus tesouros atrás de pedras e corais, de modo que só se pode ver nuances,que iludem, ludibriam e, se não se toma cuidado, se é levado pelo doce balanço e sicilar das ondas e se perde,dissoluto na branca espuma. Por isso, cuidado, pescador, que o mar é mais antigo que teusantepassados, e a sabedoria dele ultrapassa esta beirada da praia e se esconde lá no além - mar. Onde homem nenhum ousou pisar sem por lá ficar,E eram homens de valor, que acreditavam tudo poder na luta contra a natureza (a deles próprios) e terminarammortos, levados pelo doce canto da sereia.Ao trocar a realidade salgada pela ilusão encantadora,abriram mão da própria vida em nome de um amor.Alguns, que foram resgatados, permanecem nesteencantamento, pararam de comer, de trabalhar, de amar,e se deixados sozinhos, jogaram-se de volta no mar.A vida na terra firme não faz mais sentido, porém como não são peixes também não podem ir viver com o motivo de seu enamoramento.Passam as vidas como quemesperam um milagre, olhando o encontro do mar com a areia esperando o dia de eles se misturarem à branca espuma. Sem se dar conta de que na verdade, mar e areia, apesar de sempre juntos, nunca deixam de ser quem são para se tornar o outro.
quarta-feira, 7 de outubro de 2009
A CONTINUAÇÃO DA DESCOBERTA
Como é bom saber que o universo respira e conspira ao nosso favor quando realmente desejamos algo
Como é bom saber que a espera faz parte do desejar, do buscar
Que ficar parado um pouco não significa desistir, mas dar o tempo necessário...
Como é bom saber que nos é permitido parar, respirar fundo e tomar fôlego antes de prosseguir
Que é permitido uma pausa, um descanso, um alento
Um renovo de forças para os músculos tão cansados
Que é permitido parar à sombra da palmeira para descansar o lombo do sol fatigante
Agora sim, calma, sento-me na cadeira de minha varanda
e observo o céu estrelado
Ativamente, vejo os astros alinharem-se sem que eu tenha controle sobre eles
E me sinto em paz
Pois sei que faço parte disso de algum modo misterioso.
terça-feira, 6 de outubro de 2009
TUDO JUNTO E MISTURADO
Eu acho que tu me rejeitas
Eu te rejeito
Você me rejeita
Nós nos rejeitamos
Vós vos rejeitais
Eles se rejeitam
Deu pra entender agora?
PORQUE NARCISO ACHA FEIO O QUE NÃO É ESPELHO (ou encantos e desencantos)
Muito solícito e apaixonado, fazia tudo pelas eleitas damas
Até que um dia uma bruxa má, disfarçada de linda donzela seduziu-o e levou-o para as profundezas de seus calabouços
Por ela, ele abandonou seu reino e sua espada
Porém, deste modo, despido, ele perdeu seu encanto, e ela abandonou-o
Sentindo-se traído, o belo varão jurou nunca mais se deixar enganar pelo encanto de outra donzela
Pediu à Feiticeira Branca uma poção que o permitiria encantar as donzelas e deixá-lo imune ao encanto delas
A partir desse dia, seria ele que as seduziria e abandonaria
Vestiu então para sempre uma máscara invisível que o protegia de apaixonar-se e o tornava ainda mais belo e encantador
Várias pretendentes tentaram achar o caminho para o seu coração, mas ele estava obstinado e quanto mais elas se davam, mais inacessível ele se fazia
Queira fazê-las provar uma a uma o amargo sabor da rejeição
Seu encanto ficou famoso em todo o reino
E assim, ano após, donzelas se apresentavam a ele na tentativa de fazê-lo encantar-se por elas
E ele ia guardando em uma cânfora de prata sua coleção de corações despedaçados que foi juntando ao longo dos anos
E todas a noites, ao beber desta água, ia ficando mais encantador
Sabia-o pelo efeito cada vez mais exacerbado que tinha sobre as mulheres
Porém ele mesmo não podia desfrutar de sua própria beleza
Fôra seu único tabu por parte da Feiticeira:
'não deverás nunca tu admirar tua própria imagem,
no dia em que o fizeres, morrerá'
Isso o intrigava e não achava justo não poder admirar-se
Até que um dia, não suportando tal privação, correu até uma fonte e debruçou-se sobre sua imagem
E ali ficou, fixado em seu próprio encantamento.
terça-feira, 29 de setembro de 2009
UNIVERSO EM EXPANSÃO
E toda a energia do cosmos se fixa em uma única estrela
E ela, orgulhosa, faz jus à atenção recebida
As outras estrelas afastam-se ou escondem-se atrás de uma nebulosa
e ofuscam seu próprio brilho
Há momentos em que a Lua inveja a estrela-mor
A Lua, desdenhosa, inconstante,
de tempos em tempos escolhe furtar-se ao olhar da Terra
Na verdade, o que esconde é esse seu complexo
de depender de uma fonte externa para emanar seu brilho
Já o Sol é previsível, simples e de uma presença constante
Orgulhoso, sustenta seu brilho próprio, faz crescer plantas, gera a vida,
mas também seca os rios e afasta a chuva
Está tão cheio de si que nem se percebe nisso que faz
Mas o Sol precisa da Lua quando, de tempos em tempos,
necessita brilhar em outro lugar
Lua e Sol se complementam:
por trás de todo grande Sol, existe sempre uma pequena Lua
A Lua é a única capaz de captar para si a luz do Sol
Já o Sol é a própria luz
Na vida, fizeram uma escolha
entre o Ser e o Ter.
domingo, 27 de setembro de 2009
LIBERTAR-SE
E sabe que não tem mais volta
Quando você rompe o ponto de comunicação com o continente
E sabe que nunca mais verá aquele simpático povo
Que tanto fez parte da sua vida
E, mesmo você não admitindo,
tornou-a mais prazerosa.
Era bom, no fim de tarde, saber o que ele fazia
o que falava e aonde ia
Libertar-se é romper com o cotidiano, o seguro, o conhecido
É armar-se de coragem para, a partir daí
Não remeter mais seu discurso a ele,
tentando provocar atitudes com gritos silenciosos
A partir daí, ser só você, de verdade agora,
Sem desculpas, nem cartas na manga
É ter a coragem de assumir para você mesmo
com todos os riscos que isso implica,
É expor-se e dar a cara a tapa, sem respaldo
Para, finalmente, ser a partir de você mesmo
Podendo se amado ou rejeitado a partir disso
Pelo menos é um meio de vir a ser quem você realmente é.
SURPREENDA-SE
É superar o próprio cansaço, o bolo no estômago e a timidez
É quando o corpo não faz mais limite
E mesmo contra todos os indícios o Desejo fala mais alto e você sai
Surpreender-se também é dar de cara contra o muro
É quando se descobre o próprio limite
É quando Desejo e agir se descompassam
E o resultado almejado não é o encontrado
O bolo no estômago volta ao perceber-se que não se pode tudo
É procurar uma tarde inteira e não achar um vestido que lhe sirva
E então se perguntar:
"Alguém chegou antes de mim?
Acabou o estoque?
Ou sou eu que estou fora do padrão?"
Ou talvez, no fundo, no fundo
o problema seja não saber ao certo que tipo de roupa se procura
Se é esporte, social ou largada
Se é para uma noite de festa, para uma estação ou para a vida toda
Se é um vestido simples, discreto,
ou despojado, audacioso, decotado
Estampado ou liso?
Curto ou comprido?
Novo ou velho?
A verdade é que são tantas opções e modelos
que fica difícil sem se saber ao certo o que se quer
Ainda mais quando não se está a vontade na própria pele
Talvez o exercício seja o de andar nua por um tempo
Quam sabe neste meio tempo um estilista não me surpreenda?
Meu mundo de espelhos (ou ser humano)
Protegida por um vidro que me permite
ver só o lado belo das coisas
Quero me encontrar com o feio
o pesado, o real das relações
Descer ao sub-mundo dos gostos, do quente,
feito de suor, língua e massa
Cansei do olhar, da voz, da imaginação,
dos pensamentos sublimes e das promessas porvires
Recortados para mostrar
o s(m)eu melhor ângulo
Tal qual um conto platonesco,
me armo de coragem e saio da caverna
gritando com todos os pulmões:
"Espelho, espelho meu, existe alguém mais falso que eu?"
De longe tudo é belo
É preciso coragem para aceitar a feiúra
em mim e no outro
Ao quebrar o espelho
aceito meus sete anos de azar
Esperando que um dia,
eu os encare sem juízo de valor
Apenas como algo que cabe a mim
não porque sou melhor nem pior que ninguém
Apenas porque sou humano.
sexta-feira, 25 de setembro de 2009
SOBRE A BREVE(IDADE) DO AMOR
novo, espontâneo, ingênuo até,
que fala tudo o que sente
E impaciente, não sabe esperar
Exigente, bate o pé até conseguir o que quer
Não tem ainda o ar da maturidade
A capacidade de sonhar junto,
mesmo à distância, um futuro promissor
Necessita do aqui e agora,
do olhar, da voz, do toque
Tudo isso junto e misturado
E quanto mais, melhor
Não tem limite, só intensidade
É um moleque mimado
Mas também cativante
por sua vitalidade e dedicação integral
Isso tudo eu já sabia
O que até outro dia eu não sabia
Era que o amor morre
Que ele some, vai embora
Quase nunca por vontade própria
Mas, um belo dia, quando amanhece,
e vamos lá procurá-lo
ele não está lá,
foi reinar em outros quintais
Ele é moleque levado,
quando não vê mais moradia
(ou se enjoa da mesma)
Escapole-se por cima do muro
e vai-se embora, sem aviso prévio
O que fazemos então com o "até que a morte nos separe"?
Com esse amor passarinho,
estou mais para Vinícius
Sendo assim, será que vale a pena?
Pessoa responde e eu não posso revidar
O que vale é abrir as portas e janelas
e cuidar dele em tudo o que ele exigir
Desta forma, nos surpreendemos
com o que ele pode nos proporcionar a cada instante
Há beleza nisso também
O amor moleque tem a possibilidade
de ganhar experiência, maturidade
Viajar a lugares distantes
e conhecer línguas diferentes
E daí descobre que
ele se conhece mais, a cada encontro
A criança vive a intensidade do momento
Ela sabe
que não é necessário um futuro
para valer a pena o presente.
sábado, 19 de setembro de 2009
COMUNICADO
Venho por meio deste comunicar
que cansei de lhe procurar
A partir da presente data
é você que vai ter que me encontrar
E faça o favor de se identificar
Que estou tão descrente do amor
que é capaz de nem lhe reconhecer
e lhe mandar batatas plantar
e as asinhas recolher
Agora sou eu que me recolho
para dentro do casulo
Faça o favor de fazer o que a boa educação mandar
De bater antes de entrar
E entre de levinho
que é pra eu sentir o coração palpitar
ao sentir o seu cheiro
e os seus passos escutar
E dar tempo ainda de a emoção controlar
e o sorriso conter
que é pra não te assustar
E ao sentar, favor farás em não cuspir no chão
(tal qual o namorado da pombinha)
nem na saída cagar
Mas, se esta que vos carrega
encontrar o certo destinatário
Não precisarei esperar
fazer aniversário
para que possamos nos encontrar
Sem mais para o presente,
me despeço em mais alto apreço
Atenciosamente,
Amor da Sua Vida
(agora só falta o endereço)
(Pro)texto Feminino
(e agregadas)
Viemos aqui reivindicar a volta dos homens!
Queremos voltar a ser mulheres
Queremos ser conquistadas e tomadas de nossas torres
Tudo bem que temos construídos torres mais altas
Mas cadê vossa tão propagada evolução tecnológica?
Se vossa armadura é só o que restou...
Se vossa espada agora é de borracha?
Vós, que éreis conhecidos como exército guerreiro
Que houve?
Tudo bem que nós aprendemos a arte da montaria também
Mas ainda há cavalos para vós
E se tiverem a destreza e a força necessárias
vós é que deterão as rédeas da carruagem
Não vêem vós que ansiamos por isso?
Por sermos arrebatadas com um torpedo no meio de nossos devaneios
Não queremos mais ter que sair na floresta, sozinhas, à procura de heróis travestidos de sapos
Que choramingam pelo beijo da donzela para voltar ao estatuto de homem
Não! Queremos nós sermos as resgatadas de nosso sono com um cálido beijo
(que não precisa ser tão cálido assim...)
De onde tiraram a idéia de que para ser valente tem que se conquistar um exército todo?
Quando na verdade a conquista maior é cotidiana, do mesmo território...
Esse é o nosso protesto...
Se não formos atendidas, faremos greve
E ai de vós, já que não necessitamos mais de vossas senhorias
Mas podemos sim continuar desejando-vos
Por querer, não por precisão...
Contanto que sintamos que continuamos sendo o objeto de vosso desejo
Mais ainda, que sintamos que vós ainda desejais
pois mais parece que vós ainda estais enfeitiçados
pela Feiticeira Branca, a primeira de todas
Sentimos informar-lhes, mas enquanto não quebrarem tal encantamento
Não serão capazes de assumir o estatuto de príncipes guerreiros
Até lá, serão somente as armaduras de plástico e as espadas de borracha
De longe, até que vestem bem
mas de perto, no momento da batalha, desmantelam-se ao primeiro toque.
Vós achais que não percebemos,
mas nós intuímos...e confirmamos..
E estamos cansadas de, sabendo disso,
termos que tratá-los com todo cuidado,
sendo que os bibelôs deveriam ser nós
Por tudo isso, pedimos encarecidamente
que os homens, enviados para outro planeta,
estabeleçam novamente contato
e retornem ao território que sempre vos pertenceu
Eldorado
onde todos são felizes
e as pessoas são sinceras
e não têm medo de amar?
E é possível falar tudo
e se encontrar com o outro
sem precisar abrir mão de si
Onde as coisas se equilibram e é possível ter chocolate quente e cervejada
Onde as ruas têm nomes de flores
E as pessoas têm nome daquilo que são
E não há mais desencontros
Cada pessoa só tem o direito
de se relacionar com alguém
que quer o mesmo que ela
Será o Paraíso?
A ROSA BRIGOU COM O CRAVO
ser rosa formosa
se o cravo mimoso
não quer lhe cheirar?
A rosa orgulhosa
é na verdade medrosa
Precisa do olhar de aprovação
para aquietar o coração
E para ter isso
é capaz de comoção
Mas o cravo bandido
não demonstra cooperação!
E a rosa, despetalada,
mais uma vez de espinhos
torna-se armada
É possível assim ser amada?
Tentando decifar o incompreensível
Tomar um atalho
E chegar logo ao resultado sem passar pelo processo
Mas, já sou criança velha demais
E não tenho mais o mesmo olhar inocente e impetuoso sobre a vida
Já não tenho mais o mesmo desprendimento e a mesma coragem
Mas ainda olho com perplexidade
e tento decifar o incompreensível
Uma velha sábia certa vez me disse:
"Para ter é preciso investir"
Mas, velha, senhora,
para investir é necessário um alvo
E em meu peito fez ninho um pássaro de fogo
que não se deixa guiar pela razão
Ele quer voar e voar
e ás vezes arrisca-se dando vôos rasantes
só pra provocar os caçadores
Ah, doce ilusão!
Ele já está capturado...
suas asas pesam e atraem-no para o chão
E se ele se sente tão pesado
como conseguirá alçar vôo?
Conseguirá adptar-se à vida terrena?
Ou morrerá dia a dia
na peregrinação por um ninho
que o ajude a recuperar-se
e o prepare novamente para alçar vôo?
Mas dessa vez, não mais sozinho
quinta-feira, 17 de setembro de 2009
Nos caminhos e descaminhos
nos percalços do desejo
nos desvios tão intencionais...
A única certeza era de que preciso era viver
e seguir adiante
até que se encontra em lugares conhecidos
velhas ruínas, velhos amigos,
E bem na porta da pirâmide a esfinge pergunta:
"para onde está indo?"
Novidade de Vida
Repentinamente são abortados
O trabalho de curetagem
se encarrega de remover
os resquícios do que antes
dava sentido à existência
Mas, no momento seguinte,
o vazio deixado
abre para a possibilidade de novas habitações
Novos sonhos sendo gestados
Com a nova compreensão
de que muito antes de ser dois
é preciso ser um primeiro.
O Revés ou o Medo
Mas havia forças maiores que a própria vontade
O real, que se impunha para além do ideal
E seu medo de desvanecer-se
De se entregar tão completamente
que não saberia voltar
O medo de perder-se
De admitir que precisa tanto desse outro
que não saberia mais viver sem ele
Tudo isso a faz recuar
Defender-se de sua própria sensação de vulnerabilidade
E então ela ataca, desdenha,
Aponta para a falta no outro
E este, que era para ser o encontro,
pulveriza-se no ar
em mal-entendidos, ditos e des-ditos
Ataques e pedidos de desculpa
E o macho, ferido e confuso,
Cansa logo da batalha
Ele, tão simples e objetivo.
Perde-se nos meandros, no ir e vir contínuo
E num desses afastamentos
Ele não volta mais
Solta a corda e desiste
Vai jogar baralho e beber cerveja
e aos Domingos, futebol
É mais fácil ser feliz assim
E ela, sozinha, encontra-se a si mesma.
O Direito ou o Gesto
Não é necessário esforço
Basta um cruzar de olhares
Não é preciso jeitos, trejeitos, nem jogos
Aperna se cruza naturalmente
O gesto se torna espontâneo
Não é necessario perfeição
pois as intenções transparecem
Nem é preciso pensar
no que fazer pra agradar
Tudo encanta:
o jeito de falar sussurrando,
o olhar de desdém,
o reencontro dos lábios após um sorriso,
e o modo como ele aperta os olhos ao falar de coisas sérias
Cada palavra tem um peso
O gesto se torna prolongado,
e o abraço demorado
De repente, fica-se espontâneo, engraçado, inteligente
O tempo para
Um só toque e o arrepio
O corpo responde,
as mãos gelam,
e o olhar se acende
O coração dispara
e o riso vem fácil
O gesto se torna apertado
De repente, sente-se a mais sexy das mulheres
As distâncias diminuem
E o gesto torna-se urgente...
...Naquele momento, tudo parecia possível:
aceitar as diferenças,
reencontrar-se após desencontros,
desvanecer os maus entendidos.
Tempos Modernos
A noite exalava odores doces e inebriantes
O calor era isuportável,
E aquela menina acreditava estar tentando aprender
a ser feliz sem ter alguém para amar
No rádio da sala,uma canção ecoava ao longe:
"Terezinha de Jesus, de um tombo foi ao chão,
acolheu três cavalheiros, todos três chapéu na mão
O primeiro foi seu pai, o segundo seu irmão
O terceiro foi aquele que Tereza deu a mão"
Ah, o doce momento em que a menina abandona as coisas de menina
e escolhe ser resgatada de sua queda
Mas porque ela, mesmo tendo se certificado de que soltara a âncora,
depois de se deixar navegar ao sabor do vento,
acabara de novo na mesma praia?
Porque ela insistia em navegar pelos mesmos caminhos?
porque, pra chegar no mesmo lugar?
Desta forma, o tempo foi passando
Ela já não era mais menina, e então, o que faria com os sonhos da menina?
Sonhos estes tecidos um a um nos vestidos das bonecas,
como sua mãe lhe ensinara outrora,
os segredos de ser uma boa moça: aprender a bordar,
a preparar um guizado e doces babas-de-moça
A ser esposa dedicada e fiel,
obediente e solícita ao marido
E mesmo sabendo de tudo isso,
porque ela não deixava o destino escolhê-la?
Porque achava ela estar acima de tudo aquilo?
Achava-se boa demais pra esperar?
Queira ela mesma fazer o próprio caminho?
Porque então insistia em andar sempre pelo mesmo?
Falsa, falsa busca pela liberdade!
Se estava tão presa ao pé da mesa, de modo a escolher sempre a mesma trilha
Ou até variava,fingindo acreditar no conselho do lobo e pegava o caminho mais comprido
Para no fim, chegar no mesmo lugar...
Seria então a sua escolha casar com a própria vontade de escolher?
Conseguiria ela um dia abrir mão disso tudo,
para então dar a sua mão e aceitar ser escolhida?
Conto de Fraldas
numa noite de luar, Mamãe Ganso toma uma decisão
Chama o Gato de Botas e lhe diz: "pode ir,
já entendi que não tem lugar pra mim na tua vida"
O gato eriça o pêlo e seu olhar se acende
Ao ver a excitação do gato ao ser liberto, o rosto de Mamãe Ganso se anuviou
O gato então lhe contestou:"Mas também, Mamãe Ganso, se você queria alguém pra ficar,
não deveria ter escolhido um gato!"
"Eu sei, querido, é que achei que poderia convencê-lo a mudar sua natureza..."
"Acaso pode um gato deixar de ser gato?"
"Você tem razão, não pode, eu é que tenho que mudar essa minha teimosia..."
Então, compadecido, antes de sumir entre os telhados, ele
decide compartilhar um pouco de sua sabedoria com Mamãe Ganso:
"Pela tradição chinesa, quando vamos dar qualquer coisa para alguém,
temos que fazê-lo com as duas mãos. Esta é uma forma de demonstrar respeito
e dedicar total atenção a ela no momento de lhe oferecer algo"
Mas Mamãe Ganso não tem tempo para antigas estórias,
já se levantara e estava mexendo a panela,
enquanto recolhia a roupa do varal
e consertava o cano da pia que estourara mais uma vez
O gato então, antes de escapulir pela janela pergunta:
"E na sua vida, Mamãe Ganso, tem lugar pra um gatinho?"
Ela, sem prestar muita atenção diz:
"Mas é claro que tem, meu amor!"
O gato se vai, e, ao se dar conta de que está sozinha de novo,
Mamãe Ganso se dá ao direito de
debruçar-se na janela e deixar que a lua
despeje uma gota prateada que desenha caminhos em sua bochecha rosada
Mas logo desperta e volta a sua rotina atarefada
Enquanto passa o lençol com o ferro em brasa, pensa:
"Permitir-se sentir falta é para poucos
Privilegiados são aqueles que podem deixar-se vazios
a espera de serem preenchidos.
Eu não tenho tempo para isso!"
Mas, antes de dormir, ao soprar a lamparina,
quando já os guardas do pensamento estão indo dormir,
um último vagalume invade sua casa:
"Ou talvez me falte a coragem..."
O Início da Descoberta
Justamente quando a gente para de olhar para fora
Quando a vida nos dá uma rasteira e nos obriga a parar
E deixar de dar as mesmas desculpas
Então somos obrigados a filtrar todo o barulho de que nos cercamos
E percebemos que estes são apenas reflexo do que de fato habita em nós
Quando dentro e fora se separam
E é possível perceber-se ator ali, naquela cena em que se acreditava ter pago só pra assisitr
E sofrer com o que o destino lhe impõe
Então o drama se transfigura em tragédia
E não se tem mais saída
Porque a gente pode fugir de tudo, menos de nós mesmos
E então, diante do inevitável, ousamos ir levantando,
bem aos poucos, as camadas de véu que nos separam daquele palco
E todas as fantasias tão caras e brilhantes já não vestem tão bem
Ali, nus, iniciamos nossa jornada
Sem bússola, nem um companheiro de viagem
A descoberta do mundo é solitária
E só pode ser realizada individualmente.